quinta-feira, 14 de maio de 2009

Jardin de Plantes













Metamorfose

"Houve um tempo em que eu pensava muito nos axolotes. Ia vê-los no aquário do Jardín des Plantes e ficava horas olhando-os, observando sua imobilidade, seus imperceptíveis movimentos. Agora sou um axolote".

E assim começa o conto "Axolotl", do livro "Final de jogo" (1956), onde o narrador, depois de uma constante observação dessa espécie de salamandra, cujo nome asteca – seu único habitat natural consiste dos lagos próximos da Cidade do México, em uma tradução aproximada significa “monstro d’ água”, em função de sua extrema voracidade – e na mitologia asteca era a evocação do deus Xolotl, troca de lugar com o animal, passa a ser um axolotl "observando o antigo observador", como explica o professor Davi Arrigucci, no fundamental "O escorpião encalacrado".

O jardim, criado com o nome de Jardim do Rei, foi originalmente plantado por Guy de La Brosse, médico de Luís XIII, de 1626 a 1735, como um herbário de plantas medicinais e aberto ao público em 1640. O Jardim das Plantas (francês Jardin des Plantes) é um jardim botânico aberto ao público, situado no 5º Arrondissement de Paris como parte integrante do Museu Nacional de História Natural.

"Agora sei que não houve nada de estranho, que isso tinha que acontecer. Cada manhã, ao inclinar-me sobre o aquário, o reconhecimento era maior. Sofriam, cada fibra do meu corpo entendia esse sofrimento amordaçado, essa tortura rígida no fundo da água. Espiavam algo, um remoto senhorio aniquilado, um tempo de liberdade em que o mundo fôra dos axolotes. Não era possível que uma expressão tão horrível, que conseguia vencer a inexpressividade forçada de seus rostos de pedra, não levasse uma mensagem de dor, a prova dessa condenação eterna, desse inferno líquido que padeciam. Inutilmente queria provar a mim mesmo que minha própria sensibilidade projetava nos axolotes uma consciência inexistente. Eles e eu sabíamos. Por isso não houve nada de estranho no que aconteceu. Minha cara estava grudada no vidro do aquário, meus olhos tratavam uma vez mais de penetrar no mistério desses olhos de ouro sem íris e sem pupila. Via de muito perto a cara de um axolote imóvel junto ao vidro. Sem transição, sem surpresa, vi minha cara contra o vidro, em vez do axolote vi minha cara contra o vidro, eu a vi fora do aquário, do outro lado do vidro. Então minha cara se afastou e eu compreendi.

Só uma coisa era estranha: continuar pensando como antes, saber. Notar isso foi, no primeiro momento, como o horror do enterrado vivo que desperta para seu destino. Fora, minha cara voltava a se aproximar do vidro, via minha boca de lábios apertados pelo esforço de compreender os axolotes. Eu era um axolote e sabia agora instantaneamente que nenhuma compreensão era possível".


Julio Cortázar, Axolotl. Conto disponível em:
http://www.literatura.us/cortazar/axolotl.html


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